domingo, dezembro 22, 2024

25 anos desde a redemocratização do Brasil

Por Milena Galdino, da Agência Senado

Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula. Esses cinco homens são referência da redemocratização brasileira ocorrida a partir de 1985 e consolidada com a Constituição de 1988. Nos 25 anos pós-ditadura militar, o Brasil passou de uma inflação de 2.500% ao ano a uma moeda estável, abriu-se à globalização e, por fim, começou o processo de distribuição de renda que tem conseguido tirar da pobreza milhões de brasileiros.

A partir da “abertura lenta e gradual” do Regime Militar em direção à democracia, iniciada no final dos anos 70, diferentes fases foram sendo vencidas, a começar pela retomada da prática eleitoral do voto direto em todas as eleições, no governo Sarney. Em três dos cinco anos de seu governo houve eleições. Ganharam mandatos deputados e senadores constituintes e governadores (1986), prefeitos (1988), e presidente (1989).

Na avaliação do cientista político David Fleischer, doutor na área de Estado e Governo, a segunda metade da década de 80 teve outros importantes marcos da redemocratização: foi consolidado o multipartidarismo, houve a legalização dos partidos comunistas, foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte e promulgada a Constituição.

– Ao primeiro governo civil desde o golpe militar coube, é claro, o maior volume de mudanças que representavam a abertura política – avalia Fleischer.

O governo Sarney passou, continua o cientista político, por dois momentos distintos. Inicialmente, ele teria sido “muito tutelado” pelos militares. “Mas conseguiu se descolar dos interesses do antigo regime quando seu Plano Cruzado deu-lhe uma popularidade satisfatória”, emenda David Fleischer.

O autor da coleção Edições Unilegis de Ciência Política, Otaciano Nogueira, chega a ver o governo de 1985 a 1990 como um período de transição que só atingiria a plena democracia com a eleição de Fernando Collor.

– O presidente José Sarney governou ainda com alguns instrumentos próprios da ditadura, como os decretos-lei e com as mesmas regras institucionais, afinal, foi eleito indiretamente. É a posse de Collor o marco do início da democracia plena porque só a partir dela a Constituição de 1988 pode ser cumprida e aplicada na íntegra, a começar pelas eleições diretas – afirma Nogueira, que é professor aposentado de ciência política na Universidade de Brasília (UnB).

Já na visão do historiador Marcos Magalhães, nem tanto a posse, mas a saída de Collor, ameaçado por um processo de impeachment,se figura como a maior prova de fogo que a nova democracia já sofreu, e o Brasil passou com sucesso por ela.

– Ele era o primeiro presidente civil eleito diretamente depois da ditadura. A democracia, embora jovem, deu provas de maturidade quando, no auge [das denúncias de corrupção], o Brasil não retrocedeu para os militares e substituiu o presidente da maneira como mandava a novíssima Constituição. Ficou claro, naquele momento, que o contexto político já não admitia mais retrocesso. O novo sistema aguentou a crise.

Multipartidarismo

A redemocratização do país na época de Collor e Itamar teve sua maior evidência na expansão do número de partidos políticos. De fato, nos primeiros quatro anos da década de 90, a Justiça eleitoral registrou sete novas legendas, entre elas o partido Social Cristão (PSC), o Popular Socialista (PPS) e o Verde (PV).

Itamar Franco encarou de frente o maior desafio econômico que o Brasil teve no século 20: estabilizar e fortalecer a moeda à medida que combatia a inflação galopante. Com o plano de estabilidade dando certo, ganhou projeção o seu criador e ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que governou o país nos oito anos seguintes.

No governo FHC, a evolução democrática deu novos passos: foi aceita a reeleição dos chefes do Executivo, abriram-se cotas para candidatas mulheres, houve a melhora do processo eleitoral por meio de urnas eletrônicas e a criminalização da compra de votos, por exemplo.

– Outro aspecto de profunda relevância foi a sanção da Lei de Responsabilidade Fiscal – acrescenta Fleischer.

Inclusão

De acordo com especialistas em política, o segundo grande marco de amadurecimento da democracia, depois do impeachment, foi a eleição de um operário “não oriundo das elites” para a Presidência do país. A posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, levou 150 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e abriu as portas para uma política mais forte de distribuição de renda. Como resultado, houve ocrescimento da classe média e aumento do poder de compra da população de renda mais baixa.

Foi já no último ano do seu governo que passou a valer a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10), fruto de iniciativa popular no Congresso. Com a aplicabilidade ainda em discussão no Supremo Tribunal Federal, a norma barra as candidaturas de políticos condenados ou que renunciaram a mandato eletivo com o objetivo de fugir de uma cassação. Valendo ou não para as eleições deste ano, a democracia brasileira já mostrou que evoluiu mais um passo ao desenvolver mecanismos para vigiar aqueles que ocupam o poder.

O Judiciário também começou a mudar a sua história. Em 2007, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram processar 39 envolvidos no esquema de pagamento de propina entre parlamentares e representantes do Executivo que ficou conhecido como mensalão. Neste ano, o STF também condenou, pela primeira vez, quatro deputados federais por seus crimes. Já o Superior Tribunal de Justiça enviou para a cadeia o então governador do DF José Roberto Arruda, do Distrito Federal, por obstruir a Justiça num processo pelo qual é investigado por receber e pagar propina.

Maioria

Na recente história da redemocratização brasileira, a chegada da primeira mulher à Presidência é mais um marco a somar-se a episódios como o impeachment de Collor e a eleição de Lula. Dilma Rousseff, assim como aconteceu com seus antecessores, sobe a rampa do Palácio do Planalto com o apoio da maioria nas duas casas do Congresso. Apenas Collor perdeu seus aliados no Congresso e governou com a minoria. A crise de relacionamento entre o Planalto e o Congresso pavimentou o caminho de sua renúncia do presidente.

– A maioria pode ser permanente ou ocasional; ela se faz e desfaz, é natural. Tudo depende de como o presidente negocia com o Congresso – explica Otaciano Nogueira.

Na visão do cientista político, ter a maioria no Congresso é uma questão de governabilidade, mas não garante um bom governo.

– A maioria é condição necessária para governar, mas não é condição suficiente – diz. Ele também ressalta que é possível a um presidente governar com minoria, como acontece atualmente nos Estados Unidos, mas isso torna bem mais difícil a aprovação de políticas de interesse do Executivo. Como exemplo, Otaciano cita a derrubada da CMPF num Senado onde o governo tinha maioria, mas naquele momento específico a perdeu por não conseguir fazer seu interesse prevalecer.

Estabilidade democrática

Embora a evolução da democracia seja inquestionável, esses últimos 25 anos não podem ser considerados o maior período de estabilidade democrática da história brasileira. O maior período de estabilidade foram os 63 anos de governo monárquico compreendidos entre a instalação do Congresso bicameral (1826) até a proclamação da República (1889). Depois, os 41 anos a partir do governo de Floriano Peixoto (1891) até o fim da República Velha (1930), nos quais os presidentes eram eleitos, não houve golpe, o Congresso bicameral funcionou normalmente e os três poderes eram diferenciados.

– Embora o voto fosse censitário, na primeira fase, ou manipulado, na segunda, as eleições existiam. E pode até existir eleição sem democracia, mas não há democracia sem eleição – define Otaciano. Ele também cita os 18 anos, de 1946 a 1964, como “de absoluta regularidade institucional e democrática”.

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Crédito: Agência Brasil
Legenda: A promulgação da Constituição de 1988 é o principal marco da redemocratização do Brasil.

UNOPress/envolverde

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