por Giovanni Lorenzon
No jargão da diplomacia internacional, o Brasil não é conhecido por produzir ´falcões`. Seus diplomatas são conhecidos por ´punhos de renda`. Intelectuais, afáveis, discretos, consensuais e hábeis negociadores, no melhor estilo do Instituto Rio Branco, a afamada escola de diplomatas do respeitado Itamaraty. Antonio Patriota, o ex-ministro das Relações Exteriores, defenestrado do governo na esteira da crise com a Bolívia, é um exemplar típico.
Mais até do que seu antecessor Celso Amorim – agressivo que foi ao impor uma agenda terceiromundista à política externa no período Lula – e muito mais do que se revelou o estopim da crise, Eduardo Saboia, o jovem diplomata encarregado de Negócios que respondia pela embaixada brasileira em La Paz, que se disse cansado de esperar pela negociação sobre o salvo conduto do senador boliviano Roger Pinto e operacionalizou sua fuga ao Brasil.
Patriota estava com os dias contados, segundo há meses vem sendo anunciado nos bastidores. Justamente por causa desse estilo da tradicional diplomacia nacional e também pelo seu temperamento considerado tímido demais – aos quais se atribuíam, portanto, alguns deslizes – em confronto direto com o estilo áspero da presidente Dilma Rousseff. Embora defensor disciplinado das linhas da diplomacia inaugurada pelo presidente anterior, e continuada nestes 2 anos e meio do atual governo, ainda que de maneira mais reservada, não resistiria às expectativas do Palácio do Planalto.
A indisciplina de seu subordinado na Bolívia, quebrando a hierarquia em última instância da própria presidente, traduziu o que o círculo do Planalto achava dele enquanto titular do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Entre os deslizes considerados mais graves, um deles foi a demora do ex-ministro em tentar evitar o impeachment do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo (junho de 2012), como foi noticiado à época, no que foi entendido como a perda da tradicional ascensão que o País tinha sobre o vizinho.
Outro atribuído a Antonio Patriota foi a sua participação na costura de um texto no Conselho de Segurança da ONU (agosto de 2011), que recomendava ao presidente sírio Bashar Assad a negociar com os insurgentes, no que foi visto por Brasília como uma concessão às exigências dos Estados Unidos e da Europa. Também a luta por uma vaga permanente no mesmo Conselho, defendida desde o governo Fernando Henrique Cardoso e mais acentuadamente no governo Lula, teria saído da agenda do MRE a contragosto de Dilma.
Dos vacilos mais banais vistos pela cúpula do governo, contam-se a recepção de Dilma Rousseff nos Estados Unidos (março de 2013) sem honras de chefe de Estado, contrastando com a pompa que Barack Obama teve na sua visita ao Brasil, e o chá de cadeira que ela passou ao esperar mais de uma hora o encontro com o presidente da África do Sul Jacob Zuma (também em março último), entretido em reunião com o mandário russo Vladimir Putin, o que a fez retornar ao hotel. Nos dois casos, teria faltado a ele firmeza na organização dos encontros.
Há outros episódios que testaram a proverbial irritabilidade da presidente, também creditados ao diplomata que já foi embaixador nos Estados Unidos antes de assumir o Itamaraty e para onde volta agora como representante do Brasil na ONU.
O desgaste era tanto que mesmo a principal vitória da diplomacia brasileira nesse período, a eleição de Roberto Azevêdo à direção-geral da Organização Mundial do Comércio, nunca foi explicitamente creditada a Patriota. Nem mesmo a sua influência junto aos membros dos BRICS, colaborando para lançar de vez esse agrupamento de nações emergentes no cenário mundial, era alvo de elogios.
De quebra, a perda de prestígio que vinha atingindo o MRE também se revela na possibilidade de a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ser reformulada e deixar a pasta, passando a desempenhar o papel na área de comércio exterior, desviando-se de seu propósito de estabelecer parcerias de cunho humanitário com países mais pobres, como os africanos. Junto com isso, nos corredores do ministério se reclamam das limitações financeiras – limitações de viagens, paralisação na abertura de postos no exterior e os baixos salários do pessoal embarcado nas embaixadas e consulados (alvos de vários protestos de funcionários nos últimos meses).
O caso com o governo boliviano vai repercutir mais um pouco e depois vai morrer, já que a resposta foi dada com o ´aceito` sem demora pela presidente Dilma ao “pedido de demissão” de Patriota, obviamente um eufemismo para não desgastá-lo publicamente. Quanto a Eduardo Saboia, cuja atitude dividiu a opinião de experientes diplomatas – Rubens Ricupero, José Botafogo Gonçalves, Marcos Azambuja, Rubens Barbosa e Celso Lafer, entre outros ouvidos pela mídia, deverá amargar um longo inquérito administrativo.
Se não for demitido, restará a ele algum escaninho burocrático no MRE ou algumas daquelas missões do exterior do circuito Revlon, jargão diplomático para aquelas representações sem peso e sem charme que ninguém quer ir – ou se vai em começo de carreira, como a da própria Bolívia. Até que possa ser resgatado em um futuro governo de oposição ao atual.
E para o ex-chanceler restou como prêmio de consolação o prestigiado posto em Nova York – na troca com Luiz Alberto Figueiredo, que responderá agora pelo MRE – na mais importante instituição multilateral do mundo. Nada mal para quem volta ao circuito Elizabeth Arden, dos glamourosos e cobiçados postos nos quais entram também França, Itália, Inglaterra e Alemanha, e para o convívio de sua esposa americana, também diplomata e também trabalhando na ONU.