Se governança “diz respeito a como os hábitos culturais, as instituições políticas [e jurídicas] e o sistema econômico de uma sociedade podem se alinhar para gerar a qualidade de vida desejada pela população” (Berggruen e Gardels, Governança inteligente para o século XXI, 2013, p. 46), resulta evidente que a boa governança acontece quando todos esses elementos encontram o devido equilíbrio, proporcionando resultados de longo prazo e bastantes satisfatórios para o interesse comum, ou seja, para o interesse individual e coletivo, de todos que almejam uma convivência próspera e economicamente sustentável.
Quando podemos falar em má governança? Quando os hábitos culturais da população e do governo são egoístas, ou seja, quando as pessoas só pensam no interesse próprio e não no coletivo; quando as instituições políticas e jurídicas se tornam disfuncionais, porque marcadas pela corrupção, pelo imediatismo, pela morosidade, pela inacessibilidade ou pelo corporativismo vil e abjeto; quando o sistema econômico está voltado para o atendimento das necessidades e cobiças de alguns, que se apoderam da mão de obra alheia sem a devida remuneração justa; quando os grupos de pressão (mídia, financiadores de campanhas eleitorais, sindicatos, associações religiosas etc.) assumem (total ou parcialmente) o comando do regime democrático; quando a decadência da classe política se torna notória, porque voltada não para o interesse geral da nação (como imaginava Rousseau), sim, para seus interesses privados, em busca da perpetuação no poder; quando os déficits públicos se tornam insustentáveis; quando as dívidas se tornam impagáveis; quando o crime organizado, inclusive mediante cartéis, surrupiam a possibilidade de crescimento da economia; quando a corrupção passa a ser a regra em todos os níveis da governança (local, regional, estadual e nacional), destruindo a confiança na administração pública; quando os corruptos e os corruptores ficam impunes, criando a crença de que a Justiça não funciona contra eles; quando a desigualdade alcança patamares insuportáveis, gerando grande mal estar (individual e coletivo); quando a violência se torna desenfreada, em razão da quase absoluta disfuncionalidade das instituições; quando as instituições religiosas, no estado laico, defendem um novo tipo de intolerância etc.
Sempre que a população se convence de que está havendo uma má governança, deixa de lhe dar seu consentimento. O governo entra em decadência (declínio) e perde sua legitimidade assim como as eleições. Acontece o que é da essência do sistema republicano: a mudança do governo.
E quando, apesar de todas as disfuncionalidades e mazelas da cultura, das instituições e do sistema econômico, acontece o “milagre” de, mesmo assim, o povo achar que se trata de uma boa governança? Nesse caso devemos falar na habilidade para governar o caos, o que significa, na prática, não perder a legitimidade nem as eleições.
Se os EUA continuam centrados no seu padrão de governança norteado pela democracia liberal com economia de mercado livre, se a China ostenta outro modelo de governança, sustentada pela meritocracia dos seus mandarins (comandantes do Partido Comunista da China) assim como pelo capitalismo de estado (capitalismo comunista), pode-se afirmar que o Brasil, diante de todas as suas peculiaridades, está revelando para o mundo uma terceira via (terceiro-mundista), que consiste em governar o caos, estampado nas desigualdades ostensivas entre a Casa Grande e a senzala (G. Freire), na pobreza de grande parcela da sua população, no analfabetismo, na ausência de infraestrutura, na péssima qualidade da educação pública ou privada (ressalvadas as devidas exceções), na economia ainda marcadamente escravagista, nas elites egoístas, que não pensam o Brasil como nação, etc.
Luiz Flávio Gomes, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil