Brasil e seus populismos fazem o caos aumentar

No mundo da sociologia e da historiografia existe uma premissa (não absoluta, é bem verdade) no sentido de que o populismo político brasileiro teria nascido no ano de 1930 (ascensão golpista de Getúlio Vargas ao poder), recrudescido no ano de 1937 (ditadura do Estado Novo implantada por Getúlio), perdido sua força em 1945 (deposição de Getúlio) e entrado em colapso em 1964 (quando os militares retomaram o poder). Em torno de todas essas assertivas não existe, no entanto, nenhum consenso. A partir dos anos 90, aliás, teria surgido um novo tipo de populismo (que estaria mesclando o neoliberalismo com o velho sistema escravagista, ainda não definitivamente expurgado do Brasil) (Décio de Azevedo Marques Saes: 2004, p. 41 e ss.).

A visão crítica (quase escrachada) do político populista diz que ele atua de má-fé, mente e engana o povo, prometendo muito (muita retórica) e cumprindo pouco (Angela de Castro Gomes: 2010: p. 21 e ss.). Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Admite-se que o político populista engane o povo (manipula o povo), mas cumpre muito do que promete (pois do contrário não se reelegeria e não contaria com amplo apoio da população).

O populismo político, em sua origem, caracterizava-se (como explica Angela de Castro Gomes: 2010: p. 24 e ss.) “por se tratar de um fenômeno vinculado à proletarização dos trabalhadores, pouco politizados, que não contam com consciência de classe”. Em outras palavras: nasceu para atender as reivindicações dos trabalhadores e, dessa forma, conquistar a sua simpatia (e voto). Isso se tornou necessário desde o momento em que a classe dirigente “perdeu sua representatividade e o poder de condução do país”. Carências dos dominados (trabalhadores) e insuficiências das classes dominantes: é isso que faz surgir a figura do líder populista (carismático, mobilizador das massas, manipulador das suas demandas). Assim nasceram o getulismo, o ademarismo, o janismo etc. Mais recentemente, com contornos específicos, também eclodiu o lulismo.

Trata-se de um estilo de governo e de uma política de massas (Weffort). Massas carentes, líder condutor, manipulação (demagogia) e repressão dessas massas: são ingredientes necessários para a definição do populismo político, como diz Jorge Ferreira (2010, p. 83 e ss.):

“O populismo impôs-se pela conjugação da repressão estatal com a manipulação política, embora a chave de seu sucesso tenha sido a satisfação de algumas demandas dos assalariados. Repressão, manipulação e satisfação, diria Weffort (…) De qualquer modo, não há propaganda que sustente uma personalidade pública por tantas décadas sem realizações que beneficiem, em termos materiais e simbólicos, o cotidiano da sociedade”.

Mas não podemos confundir o populismo político com o populismo penal, tendo este origem híbrida: é filho do primeiro assim como da teoria ultraliberal norte-americana e inglesa, consolidada nos 70 (na teoria) e nos anos 80 (na prática, com Reagan e Thatcher). Na América Latina o populismo político possui características especiais: proteção das indústrias locais e amplos programas sociais em favor dos pobres, financiados por uma dívida interna e externa descomunal, que conduz a uma inflação descontrolada, a uma corrupção desenfreada, ao consumismo e ao caos social, desaguando, quase sempre, num golpe militar (Hugo Chávez, mais recentemente, foi o protótipo do político populista: tirou muitos pobres da miséria e deixou uma inflação de 23% ao mês, alta dívida externa, a ignorância do povo de baixa renda não se alterou etc.).

No campo penal como funciona o populismo (veja Populismo penal midiático, Saraiva: 2013)? Ele promete solução para o problema da criminalidade por meio de mais rigor penal. Aprova toneladas de leis duras, para satisfazer a demanda popular. Não resolve o problema enfocado e só agrava a situação. Em 1980 tínhamos no Brasil 11 mortes para cada 100 mil habitantes. Em 1985 começou nosso populismo penal midiático. Fechamos 2010 com 27,3 mortes para cada 100 mil habitantes. O Brasil era o 20º país mais violento do planeta. Subiu, agora, para o 18º lugar.

Qual é o maior problema do populismo penal? Ele atende as exigências imediatas da população (dos votantes) e da mídia, mas não desenvolve políticas sustentáveis a longo prazo. Pensa no agora, no imediato. O futuro não importa neste momento. Só enxerga o passado e não olha para frente. Satisfaz sentimentos populares de vingança, mas não constrói estradas ou pontes para as futuras gerações. O populismo penal vai sendo sempre engolido pela realidade. Vai afundando o país cada vez mais no caos, no descontentamento, no desalento, no desespero, na intranquilidade, na insegurança, na sensação de impotência. Mas essa tem sido nossa eleição. Não temos porque ficar reclamando daquilo que nós pedimos. De acordo com a lógica populista, impõe-se comemorar as novas leis penais mais duras que virão nos próximos meses. Dizem os políticos que elas vão resolver nosso caos social. E tem gente que acredita nisso!

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
ai/UNO