As mudanças recentes no cenário econômico global – com a adoção de políticas mais favoráveis à circulação do capital internacional – beneficiaram tanto a entrada de investimentos de empresas estrangeiras no Brasil como a saída de corporações brasileiras para o exterior. O país, no entanto, não soube tirar proveito do aumento do fluxo de capital para melhorar ou aumentar sua capacidade produtiva.
A análise foi feita por Roberto Alexandre Zanchetta Borghi, doutorando no Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Universidade de Cambridge (Inglaterra), durante o The Fourth Latin American Advanced Programme on Rethinking Macro and Development Economics (Laporde), realizado entre os dias 7 e 11 de janeiro na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo.
“O Brasil não usou esses movimentos de capital para fortalecer encadeamentos produtivos domésticos, nos quais se juntariam os investimentos das empresas estrangeiras com os das brasileiras, a fim de conferir maior dinamismo à economia”, afirmou Borghi em entrevista à Agência FAPESP.
Organizado pelo Centro de Estudos de Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento (Cemacro) da Escola de Economia de São Paulo (EESP), da FGV, o objetivo do evento, realizado no âmbito do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) da FAPESP, foi debater a macroeconomia do desenvolvimento sob diferentes perspectivas.
Borghi e outros dois estudantes de pós-graduação brasileiros foram selecionados para apresentar os resultados de suas pesquisas durante o evento. De acordo com o pesquisador, que realizou iniciação científica e mestrado com Bolsa da FAPESP, os dois grandes ciclos de entrada de capital estrangeiro no Brasil no período recente de globalização ocorreram na segunda metade da década de 1990 e em meados da década seguinte. Ambos tiveram efeitos aquém dos desejados na capacidade produtiva do país.
Na década de 1990, a injeção de recursos privados estrangeiros no país esteve mais ligada ao processo de privatização e de fusão e aquisição de companhias nacionais por multinacionais do que à realização de novos investimentos, como a construção e ampliação de fábricas.
Já nos anos 2000, com a implementação de políticas econômicas voltadas ao crescimento do mercado doméstico, a entrada de capital estrangeiro na economia brasileira foi, de fato, segundo o pesquisador, mais voltada a novos investimentos – como a ampliação da capacidade produtiva das empresas para atender o aumento do consumo.
O período de retomada do crescimento da economia brasileira iniciado em 2004, porém, durou pouco e foi parcialmente interrompido pela crise financeira mundial em 2008, que causou a diminuição dos fluxos de investimentos externos. Mesmo a rápida recuperação do Brasil não levou, por exemplo, as subsidiárias brasileiras das montadoras de veículos retomarem seus investimentos no país.
“Logo depois da crise, após a implementação de algumas medidas econômicas no Brasil, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a demanda por automóveis no mercado interno recuperou-se fortemente; o ritmo da produção e de investimento da indústria automobilística no país nesse período, no entanto, deixou a desejar”, afirmou Borghi.
“Havia um mercado em expansão que daria a possibilidade de as montadoras investirem no país, sobretudo com elevado nível de utilização da capacidade instalada no setor. Mas o que se viu foi um movimento de remessa de lucros e dividendos dessas corporações para cobrir os prejuízos que tiveram nas economias centrais, mais fortemente impactadas pela crise”, disse.
Estratégia chinesa
A fim de assegurar que as empresas estrangeiras instaladas no Brasil deem contrapartidas maiores de investimentos produtivos aos benefícios obtidos no mercado brasileiro, o pesquisador avalia ser necessária a adoção de políticas que as estimulem a desenvolver capacidade tecnológica no país, como pretende fazer o novo programa “Inovar-Auto”, do governo federal.
Lançado em outubro, o novo regime automotivo dará incentivos fiscais para montadoras com fábricas instaladas no país que investirem em pesquisa e desenvolvimento de veículos mais seguros, que consumam menos combustível e emitam menos poluentes.
As empresas mais beneficiadas serão as que atingirem, em 2017, a meta de produzir automóveis com desempenho de 17,26 quilômetros por litro de gasolina, a exemplo das fixadas por outros países, como os da Europa.
“O programa é importante, mas ainda é pequena a contrapartida exigida das montadoras para que consigam obter os abatimentos de impostos. Poderia se exigir mais dessas empresas, sobretudo porque elas obtiveram muitos benefícios no mercado brasileiro nos últimos anos”, avaliou Borghi.
De acordo com o pesquisador, o processo de abertura do mercado brasileiro ao capital estrangeiro não ocorreu de maneira tão cautelosa como nos países asiáticos.
Ele afirmou que os países do Leste Asiático souberam utilizar melhor os investimentos externos para desenvolver suas economias domésticas e compatibilizá-los com os interesses nacionais.
Algumas das exigências feitas pela China para as empresas estrangeiras interessadas em se instalar no país, por exemplo, são o estabelecimento de joint ventures e a transferência de tecnologia para que as empresas nacionais possam desenvolver algumas capacidades produtivas domésticas próprias a fim de poderem competir globalmente. Quando começou a abrir seu mercado na década de 1980, o país asiático determinou que as empresas estrangeiras se estabelecessem inicialmente em suas zonas costeiras, para diminuir os custos de exportação.
“No Brasil, essas políticas acabaram não sendo privilegiadas”, disse. “O país adotou uma forma de capitalismo financeirizado muito mais intenso e imediato no processo de abertura de seu mercado do que os países asiáticos”, comparou Borghi.
Internacionalização das empresas brasileiras
Já o movimento de saída de investimentos de corporações brasileiras para o exterior, segundo Borghi, é muito mais recente. Além disso, permanece incipiente, regionalizado e liderado por empresas de setores de baixa intensidade tecnológica que, muitas vezes, visam à aquisição de concorrentes estrangeiros.
“O número de empresas transnacionais brasileiras ainda é relativamente pequeno e heterogêneo. Há algumas grandes corporações e muitas pequenas empresas atuando em nichos de mercado de menor valor agregado”, disse Borghi.
De acordo com o pesquisador, esse movimento adquiriu maior intensidade a partir de 2004, quando as condições econômicas internacionais eram favoráveis e foram implementadas linhas de financiamento para empresas brasileiras realizarem investimentos externos.
Por causa disso, algumas indústrias nacionais começaram a adquirir empresas menores ou a abrir fábricas, principalmente nos países do Mercosul e da América Latina, em razão das facilidades comerciais entre os países da região.
Em 2008, a crise econômica mundial abriu a possibilidade de empresas brasileiras comprarem concorrentes desvalorizadas no exterior. Mas não foi isso o que se viu.
“A crise abriu algumas oportunidades que não foram aproveitadas pelas empresas brasileiras”, avaliou Borghi. “Ao contrário da China, que após a crise saiu comprando no exterior muitas empresas fragilizadas financeiramente a um custo mais baixo, nós não temos no Brasil muitos casos semelhantes nesse período”, comparou Borghi.
Na avaliação do economista, hoje se observa um movimento muito maior de entrada de capital estrangeiro no país do que de saída de investimentos das empresas brasileiras para o exterior. E, apesar de crescente, é preciso estimular ainda mais a internacionalização das empresas brasileiras para garantir a competitividade econômica do país.
“O fortalecimento de empresas nacionais capazes de competir globalmente tem importância fundamental no desenvolvimento econômico e social de um país, para que ele se torne menos vulnerável às condições do mercado internacional em um mundo mais liberalizado, em que a concorrência não se limita mais às fronteiras nacionais”, afirmou.
Em sua pesquisa de doutorado em Cambridge, Borghi estuda por que o Brasil não é capaz de sustentar taxas de crescimento por períodos relativamente longos, a exemplo de países como a China e a Índia.
O pesquisador também é um dos autores do livro Formação e internacionalização de grandes empresas: experiências internacionais selecionadas, lançado pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), no qual analisa em um dos capítulos os casos de internacionalização de corporações japonesas e coreanas.
Por Elton Alisson
FAPESP/UNOPRESS