Falta de regulamentação e abusos tanto de empregador como de empregado explicam aumento de ações
“Eu trabalhava como porteiro, portanto, minha carteira era assinada como agente de portaria e eu ganhava salário mínimo. O assédio moral por conta dos supervisores era terrível a ponto de me deixar com dor de cabeça, pois sempre que a rendição atrasava ou não vinha era obrigado a esperar ou dobrar o turno. Por várias vezes procurei a empresa para fazer um acordo, mas a empresa só demite por justa causa ou pedido de demissão. Eu não aguentava mais e com isso fui ficando doente e procurei uma psicóloga que me encaminhou a uma psiquiatra, que por sua vez me passou vários remédios controlados. Nesse tempo eu comecei a ter crises e agredir as pessoas e deixei de ir ao trabalho por três dias. Ao voltar, me mandaram para um galpão de reservas onde não tinha água e pouca luz, lá eu ficava aguardando para cobrir faltas quando precisassem. O tempo passava e eu não conseguia mas trabalhar por conta das crises. Fiquei afastado pelo INSS e quando liberado informei à empresa que não tinha condições de voltar à função anterior em função do remédios fortes que eu tomava. A empresa acabou me dando justa causa, alegando abandono de emprego. Hoje estou desempregado e descobri que sou esquizofrênico”.
Situações como a relatada tem motivado muitas pessoas a recorrerem à Justiça sob alegação de assédio moral e abusos do poder diretivo do empregador. A cada dia cresce o número de processos alegando constrangimento e repetidas humilhações no ambiente de trabalho. Embora não exista estatística oficial sobre ações de assédio moral no Brasil, os juízes do Trabalho confirmam que os processos sobre assédio moral estão crescendo.
Só em Campinas a quantidade de registros cresceu 197% entre 2009 e 2011, segundo dados do Ministério Público do Trabalho. Nestes dois anos houve 119 reclamações, número muito próximo do registrado nos primeiros oito meses deste ano. De janeiro a agosto de 2012 ocorreram 117 reclamações. “Este aumento se deve, em parte, ao maior conhecimento das pessoas sobre a possibilidade de se questionar judicialmente sobre abusos de poder, desde que tenha meios para comprová-lo”, explica a advogada empresarial de Crivelli Advogados Associados, Daniela Mesquita.
A prova do assédio moral é muito difícil, visto que o assediador, na maioria dos casos, utiliza-se de manifestações não verbais para dificultar o desmonte de sua estratégia, bem como, o revide da vítima. Segundo a advogada, “o assediador quase sempre nega a denúncia e as testemunhas, peça essencial na constituição de provas, preferem não interferir, por temer represálias futuras. Neste caso, a prova testemunhal é um dos principais argumentos para atestar a prova de assédio moral que a vítima dispõe”.
No Brasil ainda não há uma lei de âmbito nacional com o objetivo de prevenir e coibir o assédio moral e punir o assediador. Alguns municípios já têm leis que coíbem o assédio moral, porém, apenas no âmbito da Administração Pública. A ausência de regulamentação em parte favorece os questionamentos nos tribunais e explica muitos dos abusos de ambos os lados.
As maiores vítimas do assédio moral são empregados com estabilidade, os que atingem salários muito elevados em relação ao mercado, adoecidos e acidentados que retornam ao trabalho, como o caso relatado no início deste texto.
A justiça entende que o crime costuma ser cometido pelo um chefe, mas quem responde por ele é o dono do negócio. Mesquita alerta que poucas empresas se valem da ação de regresso, que dá o direito à empresa penalizada de cobrar do assediador o valor da indenização paga ao assediado. “Quando ações preventivas no ambiente organizacional são insuficientes para evitar abusos de seus profissionais sobre os que estão abaixo na hierarquia – tais como programas de prevenção e fortalecimento dos canais de comunicação, além de ouvidorias ou comitês para receberam denúncias sobre intimidações ou constrangimento – a empresa pode recorrer à ação regressa sobre o assediador”, finaliza a especialista.