Quando a limitação do pagamento das horas gastas no itinerário entre residência e trabalho está prevista em norma coletiva, o entendimento majoritário da Seção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-1) é de que é válida a negociação. Essa é a razão pela qual um cortador de cana paulista não terá mais nada a receber quanto a esse pedido, pois há acordo coletivo que estabelece o pagamento de uma hora in itinere, independentemente do tempo gasto no percurso pelo trabalhador.
A Primeira Turma do TST reformou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), o qual havia julgado nula a negociação coletiva, por ser prejudicial ao trabalhador. O TRT determinara o pagamento de 1h40, com o adicional legal e reflexos nas outras verbas, considerando já ter sido quitada uma hora in itinere por dia trabalhado.
Relator do recurso do trabalhador na Primeira Turma, o ministro Vieira de Mello Filho seguiu a jurisprudência da SDI-1, mas ressalvou seu entendimento pessoal. Segundo o ministro, a Lei Complementar 123/2006 permitiu “a flexibilização coletiva para fixar-se o tempo médio do percurso, a forma e natureza da remuneração apenas nos casos de microempresas e empresas de pequeno porte”.
Restrições
O ministro Vieira considera que, apesar de existir a possibilidade de flexibilização das normas do Direito do Trabalho, pois a Constituição Federal reconhece a validade das convenções e dos acordos coletivos, “o campo de negociação coletiva não é ilimitado, devendo visar a melhoria da condição social do trabalhador, além de observar as normas mínimas de proteção ao trabalho”.
No recurso de revista julgado pela Primeira Turma, o ministro ressaltou que o processo não trata de redução da jornada de trabalho, hipótese de flexibilização prevista no inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal. No caso, trata-se “de renúncia da remuneração de parte da jornada de trabalho”. Nesse sentido, o relator destacou que, com a vigência da Lei 10.243/2001, é o parágrafo 2º do artigo 58 da CLT que deve ser aplicado, “computando-se na jornada o tempo despendido pelo empregado até o local de difícil acesso ou não servido por transporte público em transporte fornecido pelo empregador”. Era essa a situação do cortador de cana, pois ele utilizava o transporte do empregador.
De acordo com a avaliação do ministro Vieira de Mello, até a Lei 10.243/2001 era possível pactuação coletiva relativa às horas de percurso, “porque se tratava de construção jurisprudencial sem previsão expressa em lei”. Porém, a partir dessa lei, as normas coletivas que estabelecem duração em período menor ao tempo realmente gasto pelo empregado afrontam o artigo 58 da CLT, explicou o relator, frisando que “o período relativo às horas itinerantes passou a constituir norma mínima de proteção ao trabalhador e, como tal, somente poderá ser alvo de negociação coletiva se dela resultar norma mais benéfica, jamais para ser diminuída”.
Para esclarecer a questão, o ministro citou a Lei Complementar 123, de 14/12/2006, que trata da possibilidade de flexibilização das horas de percurso unicamente para as microempresas e empresas de pequeno porte. Ao introduzir o parágrafo 3º no artigo 59 da CLT, essa LC permitiu a negociação coletiva nesses casos. A regra geral, porém, entende o ministro, é a hipótese do parágrafo 2º do mesmo artigo da CLT, pelo qual não será permitida flexibilização coletiva da duração e da remuneração das horas in itinere.
Jurisprudência atual
Assim, a decisão regional que desconsiderou a cláusula de limitação de horas in itinere, para o ministro Vieira de Mello, não ofendeu o artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, porque “a validade dos instrumentos coletivos está condicionada ao respeito às fontes formais do Direito”. No entanto, como esse não é o entendimento da SDI-1 do TST, o relator citou precedentes e aplicou ao caso a jurisprudência majoritária, no sentido de ser válida a limitação das horas itinerantes por meio de acordo coletivo.
A Primeira Turma decidiu, então, unanimemente, restabelecer a sentença que indeferiu o pedido de pagamento de horas in itinere além das convencionadas na norma coletiva. (RR – 1500-64.2007.5.15.0115)
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho