Estado Islâmico : Qual a origem? O que quer?

Estado Islâmico Estado Islâmico
Foto © Sputnik/ Andrey Stenin

Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) ou Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS) é uma organização jihadista (lutadora, guerreira) do Oriente Médio, que teve um califado (um governo) proclamado em 29 de junho de 2014, sendo seu califa (chefe, sucessor de Maomé) Abu Bakr al-Baghdadi. Desde a data citada o grupo passou a se chamar Estado Islâmico. Seu califado está localizado, hoje, em Raqqa, na Síria.

Califado e Califa

Um califado é um estado governado de acordo com a lei islâmica (conhecida como Sharia). O califa é literalmente o sucessor do profeta Maomé, como chefe da nação e líder de uma comunidade de muçulmanos, e tem o poder de aplicar a lei islâmica (Sharia) nos “territórios” “dominados” pelo califa. Contudo, sunitas e xiitas divergem sobre quem deve ser o califa, de acordo com a sua crença. Apesar de esses dois grupos corresponderem a vertentes distintas da religião islâmica, eles compartilham crenças e práticas fundamentalistas, como a fé no Alcorão e a regência da Sharia, que é o código de leis do islamismo.

Sunitas e Xiitas

Sunitas e xiitas nasceram depois do assassinato do quarto sucessor de Maomé (570-632), o califa Ali (601-661), que era primo e genro do profeta, que passou a liderar os xiitas. Sua posse foi controvertida e regada a sangue. A partir daí uma parte dos muçulmanos, os autodenominados “shiat Ali”, ou sejam “partidários de Ali”, passou a defender que a única liderança legítima para o Islã deveria vir da linhagem direta de Maomé. Já os sunitas (que vêm de Sunna – documento sagrado que narra as experiências de Maomé em vida), assumiram uma visão mais ortodoxa e pragmática do Islã após a morte do profeta. Diferentemente dos xiitas, eles reconhecem a liderança dos primeiros califas que assumiram a liderança da comunidade islâmica após 632, e não apenas Ali, genro e primo do profeta.[1]

Características do EI

Tornou-se notório por sua brutalidade, incluindo assassinatos em massa, sequestros e decapitações. Famoso por divulgar vídeos das decapitações de jornalistas e ativistas, criou pânico nos países por onde já passou e por ações orquestradas mundo afora, especialmente na França, tomando para si as responsabilidades dos ataques ao jornal Charles Hebdo e o mais recente que vitimou mais de 130 pessoas em uma série de atentados à capital francesa em 13/11/15.

Na Síria, território mais recente conquistado, está localizada boa parte de seu “exército”. O grupo atraiu apoio em outras partes do mundo muçulmano – e também de pessoas que se converteram ao islamismo apenas para combater com o EI. A França é o país com maior número de combatentes do EI fora do Oriente Médio.

Adoração de sepulturas e estátuas antigas

O Estado Islâmico considera que a “adoração” de sepulturas equivale a idolatria (de se notar que ele afirmou que atacou Bataclan, em Paris, em razão dos idólatras que frequentavam o local) e procura purificar a comunidade de crentes. O grupo usou escavadeiras para esmagar edifícios e sítios arqueológicos.  Destruiu cidades histórias conhecidas por serem patrimônios da humanidade, como a cidade de Palmira. O EI ocupou o Museu de Moçul, o segundo museu mais importante no Iraque, quando o local estava prestes a ser reaberto depois de anos de reconstrução dos danos causados após a guerra do Iraque. O grupo então destruiu todo o acervo da instituição cultural alegando que as estátuas da antiguidade eram contra o islamismo. Cidade antiga de Hatra, fundada no século III a.C. pelo Império Selêucida, também considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO desde 1985, foi destruída pelo Estado Islâmico em 2015.

Quando conquista localidades, o EI:

pendura uma bandeira negra no topo do prédio mais alto;
inicia uma campanha para conquistar corações e mentes, por meio da prestação de serviços sociais[133] em locais devastados pela guerra;
distribui pen drives com cânticos jihadistas e vídeos que mostram as operações militares do grupo e folhetos que pregam contra a democracia, sobre a necessidade de permanecer em silêncio e excomungar os alauitas;
começa a impor gradualmente a sua interpretação estrita da lei islâmica.
Ideologia e crenças

A sua ideologia tem origem no ramo do Islã moderno, que pretende voltar para os primeiros dias do Islã, rejeitando posteriores “inovações” na religião que eles acreditam ser corrupta em seu espírito original.

Qual seu objetivo?

Desde 2004, a principal meta do grupo é a fundação de um Estado islâmico. O EI afirma autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo e aspira tomar o controle de muitas outras regiões de maioria islâmica, a começar pelo território da região do Levante, que inclui Jordânia, Israel, Palestina, Líbano, Chipre e Hatay, uma área no sul da Turquia. O objetivo original do EI era estabelecer um califado nas regiões de maioria sunita do Iraque, mas após o seu envolvimento na guerra civil síria, este objetivo se expandiu para incluir o controle de áreas de maioria sunita da Síria.

Como surgiu?

O grupo, em seu formato original, era composto e apoiado por várias organizações terroristas sunitas insurgentes, incluindo suas organizações antecessoras, como a Al-Qaeda no Iraque (2003-2006), o Conselho Shura Mujahideen (2006-2006) e o Estado Islâmico do Iraque (2006-2013). O Estado Islâmico cresceu significativamente devido à sua participação na Guerra Civil Síria e ao seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi. Denúncias de discriminação econômica e política contra árabes sunitas iraquianos desde a queda do regime secular de Saddam Hussein também ajudaram a dar impulso ao grupo. No auge da Guerra do Iraque, seus antecessores tinham uma presença significativa nas províncias iraquianas de Al Anbar, Ninawa, Kirkuk, maior parte de Salah-ad-Din e regiões de Babil, Diyala e Bagdá, além de terem declarado Baquba como sua capital.  No decorrer da guerra civil síria, o EIIL teve uma grande presença nas províncias de Ar-Raqqah, Idlib e Aleppo.

Qual o propósito?

O Estado Islâmico obriga as pessoas que vivem nas áreas que controla a se converterem ao islamismo, além de viverem de acordo com a interpretação sunita da religião e sob a lei Sharia (o código de leis islâmico). Aqueles que se recusam podem sofrer torturas e mutilações, ou serem condenados a pena de morte. O grupo é particularmente violento contra muçulmanos xiitas, assírios, cristãos armênios, yazidis, drusos, shabaks e mandeanos.

Depois de o Estado islâmico autoproclamar a captura de cidades no Iraque, o EI divulgou orientações sobre como os civis dominados devem usar roupas e véus. O EI alertou as mulheres na cidade de Moçul para usar o véu de rosto inteiro ou sofreriam punições severas. Mulheres também não podem sair de casa e tem seus corpos considerados como propriedade do EI. Houve um aumento gigante nos casos de estupro e abusos contra mulheres que adentram ao EI.

Cristãos

Os cristãos que vivem em áreas sob o controle do EI que queiram permanecer no território do califado tem apenas três opções: se converter ao islamismo; pagar um imposto religioso (o jizya); ou morrer.

Quais os desdobramentos?

Nos últimos meses, desde que ganhou notoriedade com as divulgações dos vídeos em que mostram a decapitação de muitos jornalistas e ativistas do mundo todo, o EI passou a assumir a autoria de muito atentados mundo afora, entre eles dois França, um avião abatido no Egito, atentados em Beirute, no Líbano, Quênia, dentre outros.

Como o grupo tem recrutado seu exército mundo afora?

Apesar de o grupo terrorista ser fundamentalmente formado por cidadãos de origem islâmica, o EI tem conquistado sucesso ao recrutar pessoas de diversas origens, convertendo-as ao Islamismo. Com uma base recrutadora bastante forte fora do Oriente Médio, o EI consegue acesso a escolas, universidades, além de jovens pobres, originários da camada pobre da população e problemas com a justiça. Seu principal meio de recrutamento das suas redes sociais.

Países que consideram o EI uma organização terrorista

Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá, Indonésia e Arábia Saudita, além de também ter sido classificado pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela União Europeia e pelas mídias do Ocidente e do Oriente Médio como grupo terrorista.

Por que o principal alvo tem sido a França?

A França tem a maior população muçulmana na Europa. São cerca de 5 milhões, ou  seja, 7,5% dos habitantes são de origem muçulmana. Historicamente, é uma das sociedades mais divididas no continente. A integração de muçulmanos no resto da sociedade francesa sempre foi uma questão delicada no país, já que grande parte deles sempre viveu em subúrbios pertencendo à camada mais pobre da população e também fortemente discriminada.

Além disso, há um aparente questionamento de gerações mais novas de famílias de imigrantes, supostamente descontentes quanto ao estilo de vida mais liberal do Ocidente, à tolerância e diversidade religiosa e à liberdade de expressão. A polêmica decisão da França em proibir o uso do véu islâmico de corpo inteiro por mulheres, por exemplo, foi interpretada por alguns muçulmanos como uma decisão contra o islamismo.

A França tem sido a maior fonte, na Europa, de combatentes estrangeiros que se juntam a grupos radicais no Oriente Médio. Relatório do Centro Internacional para o Estudo de Radicalização e Violência Política do King’s College, de Londres apontou, no início deste ano, que das cerca de quatro mil pessoas que deixaram a Europa Ocidental para se juntar a grupos extremistas como o EI na Síria e no Iraque, aproximadamente 1,2 mil saíram da França. E muitos deles retornaram. A França fica atrás apenas de Arábia Saudita, Tunísia, Jordânia, Marrocos e Rússia como maior emissor de combatentes para estes grupos, segundo o relatório.

Na França, dois locais se destacam no que tange o recrutamento e a radicalização. Os subúrbios de Paris e arredores tem sido durante anos, um local onde muitos jovens muçulmanos acabam sendo recrutados, descontentes com desemprego e ostracismo. Outro lugar fácil para radicalização são as prisões francesas: estima-se que 60% dos 70 mil detentos no país tenha origem muçulmana, e grupos extremistas estariam se aproveitando disso para recrutar colaboradores.

Além disso, a França participa da coalizão militar liderada pelos Estados Unidos que tem conduzido ataques aéreos contra o “EI” na Síria e no Iraque e é um dos países mais ativos nesses ataques contra o grupo. O país realizou também uma intervenção contra extremistas islâmicos no Mali, em 2013. Na França, ademais, aconteceu umas das revoluções que estruturaram o capitalismo ocidental (em 1789), com valores (liberdade de crença, liberdade de expressão de pensamento etc.) que conflitam os professados pelo EI.

Luiz Flávio Gomes é professor e jurista, Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Exerce o cargo de Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Atuou nas funções de Delegado, Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado. Atualmente, dedica-se a ministrar palestras e aulas e a escrever livros e artigos sobre temas relevantes e atuais do cotidiano.

Foto © Sputnik/ Andrey Stenin
Fontes: BBC Internacional, BBC Brasil, O Globo, Wikipédia.
*Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.
[1] Cf. https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-07-29/entenda-as-diferencas-entre-xiitas-e-sunitas.html.

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