Estudo constata que a substituição da vegetação natural das encostas das Serras do Mar e da Mantiqueira pelo plantio de eucalipto aumenta o volume de chuva sobre as áreas mais altas e, consequentemente, os riscos de deslizamentos de terra em regiões serranas durante a estação chuvosa – entre dezembro e fevereiro.
A constatação é de uma pesquisa de doutorado realizada pela tecnologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Viviane Regina Algarve, no âmbito do Projeto Temático “Assessment of impacts and vulnerability to climate change in Brazil and strategies for adaptation option”, apoiado pela FAPESP.
“Observamos que a mudança da vegetação natural por eucalipto nas encostas das Serras do Mar e da Mantiqueira altera as trocas de energia entre a superfície e a atmosfera, modificando o padrão de circulação de vento que ocorre entre o vale e a montanha e, em razão disto, o transporte de calor e umidade para o topo das serras”, disse Regina Alvalá, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e orientadora do estudo, à Agência FAPESP.
“O aumento da convergência de umidade sobre os topos das montanhas facilita a formação e alimentação de nuvens, nevoeiros e tempestades”, explicou.
De acordo com dados do Anuário Estatístico da Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas, há mais de 6 milhões de hectares de florestas de eucalipto dos gêneros Pinnus e Eucalyptus no Brasil, em regiões com diferentes topografias e padrões de chuva.
Com o aumento da demanda por celulose e madeira, as plantações de eucalipto têm sido expandidas para encostas íngremes.
Em razão dessa e de outras mudanças no uso e cobertura da terra – como a conversão para área de pastagem –, que têm ocorrido nas últimas décadas nas encostas das Serras do Mar e da Mantiqueira, está aumentando o volume de chuvas sobre as áreas mais altas dessas regiões serranas, o que pode resultar em riscos de deslizamentos, apontam os autores do estudo.
“Como o eucalipto é uma vegetação de porte alto, absorve muita radiação e, com isso, altera os balanços de energia e de água entre a superfície e a atmosfera. Isso acaba culminando em um aumento do volume de chuvas”, disse Alvalá.
Os pesquisadores analisaram séries históricas de dados de chuvas, referentes ao período de 1961 a 1990, de 25 estações meteorológicas distribuídas por municípios localizados próximos das Serras do Mar e da Mantiqueira.
“Observamos que, embora as alterações mais significativas no volume de chuvas tenham ocorrido sobre as áreas mais elevadas das Serras do Mar e da Mantiqueira, também houve um aumento do número de episódios de chuvas em algumas áreas na região do Vale do Paraíba”, afirmou Alvalá.
Projeções
As projeções indicaram que tanto a troca da vegetação natural por plantio de eucalipto como para área de pastagem levam ao aumento no volume diário de chuvas durante o verão, principalmente sobre as áreas mais elevadas das regiões serranas.
“Esse tipo de diagnóstico da evolução da mudança de uso da terra e suas implicações climáticas são essenciais para orientar tomadores de decisão de órgãos governamentais e da Defesa Civil na identificação de áreas de risco”, afirmou.
Em outro estudo, publicado no International Journal of Geo-Information, os pesquisadores avaliaram a suscetibilidade ao deslizamento de terra em áreas ocupadas por plantações de eucalipto em diferentes fases de desenvolvimento, ou convertidas em áreas de pastagem, em 16 municípios próximos das Serras do Mar e da Mantiqueira.
Os resultados do estudo indicaram que as áreas convertidas para pastagem apresentam os maiores níveis de suscetibilidade, seguidas pelas que receberam novas plantações de eucalipto e as ocupadas por moradias.
“Há uma preocupação sobre a área crescente de plantações de eucalipto em encostas íngremes no Estado de São Paulo uma vez que não há estudos específicos sobre o impacto do reflorestamento em processos de movimento de massa”, ressaltam os autores do estudo.
De acordo com os pesquisadores, o eucalipto tem diferentes fases de desenvolvimento, que podem contribuir em maior ou menor escala para a ocorrência de deslizamentos de terra.
No estágio inicial de desenvolvimento – que dura entre dois e três anos –, as árvores de eucalipto possuem uma grande quantidade de folhas, que bloqueiam a exposição do solo à luz solar, tornando-o mais úmido e vulnerável a deslizamentos.
Já na fase adulta, diminui a quantidade de folhas das árvores de eucalipto, permitindo que a luz solar atinja e reduza a vulnerabilidade do solo.
Durante a fase da colheita do eucalipto, contudo, o solo fica completamente exposto à chuva e aumenta sua taxa de erosão, o que pode deflagrar deslizamentos de terra, apontam os autores do estudo.
“A taxa de erosão de uma área de colheita de eucalipto pode ser até quatro vezes maior do que a de uma região com vegetação preservada”, destacam.
Foto © Mauro Queiroz
Elton Alisson | Agência FAPESP