por Vladimir Kultygin
A onda dos protestos, que envolve o Brasil nestes dias, é um fenômeno que rima com as manifestações em vários cantos do mundo. Já foi chamada de Primavera Brasileira, por analogia com as primaveras árabes, que surgiram no decorrer desses dois anos. Existe um aspecto nas manifestações brasileiras que permite falar de sua originalidade. São, de fato, várias manifestações em lugares distintos de diferentes estados do país, unidas em um movimento de escala nacional.
A manifestação contra o aumento de preços do transporte público no estado de São Paulo, violentamente reprimida pela polícia, foi o início do movimento atual. Mas na realidade, são vários e diferentes os problemas cuja solução por parte dos governos – o federal e os estaduais – é exigida pelos manifestantes. O Brasil já conheceu greves de bancários, de funcionários do metrô, manifestações de estudantes, de professores, de motoristas, de índios, protestos contra a construção de usina em Belo Monte e contra a FIFA, nas vésperas da Copa do Mundo.
Um país tão vasto como o Brasil deveria reagir com maior precisão aos problemas locais dos seus estados e, em vez de espalhar pelo mundo a imagem de uma economia que pode desafiar os “tigres” asiáticos e os “gigantes” reconhecidos, fazer esta economia funcionar para o bem dos cidadãos. Outras declaram que as palavras de ordem que gritam os manifestantes, se referem a problemas inventados ou artificialmente “inchados”.
Por exemplo, o jornal britânico The Financial Times publicou na semana passada um artigo em que sublinha que há frases usadas no movimento popular que vêm da publicidade comercial, alegando que isto seria sinal de “consumismo excessivo e alienação política”. (No entanto, várias pesquisas do folclore moderno confirmam a apropriação de frases correntes na mídia por movimentos populares como prática existente e legítima, que vem depois do Maio 68 francês.)
O correspondente da VOR conversou com Moara Feola Capellari, estudante da Universidade de São Paulo, que agora está estudando a língua russa em Moscou, sobre os acontecimentos que estão acontecendo no seu país.
– Como você vê o movimento social no Brasil agora?
– O movimento social que está acontecendo agora no Brasil é muito importante, pois evidencia problemas que enfrentamos no país e que têm sido escondidos atrás do crescimento econômico do Brasil, ou da Copa do Mundo.
– A onda das manifestações que agora surgiu no Brasil tem como fonte uma série de problemas do âmbito tanto social, como político. Existe um ponto geral que une os problemas, fazendo possível um movimento unido?
– O que aconteceu foi um estopim (o aumento da tarifa no transporte público), mas diversos problemas são discutidos agora, no momento que estão dando voz aos manifestantes. O problema maior é que não há um direcionamento das reivindicações, e agora, a direita se apropria da “onda” de manifestações para fazer manifestações vazias e sem proposta como ”sem corrupção” ou ”pela paz”.
– Quais são os problemas principais de que tratam os manifestantes?
– O problema principal foi o aumento da passagem no transporte público, mas a insatisfação vem sendo resultado de muitas coisas, por exemplo, a ascenção da banca conservadora, e por exemplo, ter Marco Feliciano como líder da comissão de direitos humanos, o que é surreal, pois ele é, além de homofóbico, racista. Houve também a aprovação pela Comissão de Finanças do absurdo Estatuto do nascituro, o que causou muita revolta também, o que mostra que temos muito mais questões a serem observadas além de somente a tarifa do transporte público. Mas o congelamento no preço foi a primeira de muitas vitórias.
– Qual a sua opinião sobre os atos de violência e sobre a evolução do crime de rua durante os protestos?
– Os atos de violência, na minha opinião, sempre partem da policia, a reação da massa será imprevisível, e possivelmente, será respondida na mesma moeda.
– Segundo você, para quando a resolução da tensão social e política que existe agora? O que deveriam fazer o governo e o povo?
– Acho que o governo está no caminho certo, desfazendo licitações bilionárias com as concessionárias de ônibus e propondo plebiscitos, e o povo também, deve sair e manifestar-se.
– Você participou ou gostaria de participar de uma ação dessas?
– Só não participei por que estava fora do Brasil, mas sim, teria participado.
– As ações de protesto de estudantes da USP em 2011 produzem a impressão de que os alunos do Brasil são muito politizados, entendem muito de política e querem participar dela. Os universitários são um grupo muito ativo, ou é fenômeno geral?
– Acredito que a população do Brasil sempre foi afastada propositalmente da política, então o engajamento político não é uma coisa muito disseminada entre o povo em geral. No meio estudantil acredito que a disseminação de ideias políticas tem muito mais forca.
– Existe diferença na quantidade dos manifestantes em São Paulo e em outras cidades ou estados? As exigências são as mesmas ou diferem dependendo da região?
– Acredito que no sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais) talvez haja mais manifestantes. O Brasil é um país enorme e muito heterogêneo, as reivindicações variam de região para região, na região norte, por exemplo, tivemos manifestações contra a construção da usina de Belo Monte.
VOR/UNO