por Luiz Flávio Gomes
Na bandeira brasileira o retângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelo traduz a ideia de que possuímos ouro (hoje muito menos que antigamente), o círculo azul estrelado é o nosso céu abençoado por Deus e a faixa branca simbolizaria o que imaginamos que somos: um povo ordeiro em progresso, bom, pacífico e conciliador. São essas as representações que criamos para nós mesmos.
Mas se a bandeira brasileira fosse retratar o Brasil do século XXI, duas outras faixas teríamos que lhe agregar: uma vermelha, para simbolizar o sangue jorrado com as quase 100 mil mortes anuais, entre assassinatos intencionais e acidentes de carro, e outra preta, que representaria o luto de milhares de famílias cujos entes queridos desapareceram abrupta e antecipadamente.
O mais grave é que a população brasileira não está sendo informada que tudo isso vai piorar bastante nos próximos anos, em proporção estarrecedora: em 1980 tínhamos 11 mortos para cada 100 mil pessoas, contra 27,4 óbitos em 2010. No lapso de 30 anos os assassinatos intencionais quase triplicaram.
São inúmeros os fatores responsáveis por essa tragédia. O primeiro diz respeito ao modelo capitalista global e selvagem vigente, que nunca conseguirá jamais integrar (na distribuição das suas riquezas) um terço da população do planeta: cerca de 2 bilhões de pessoas se transformaram ou estão se transformando (com o desemprego, baixos salários etc.) em lixo humano (Bauman). Situação mais delicada é dos países com forte tradição escravagista (e aristocrata), como os da América Latina, destacando-se o Brasil, que se caracteriza como uma das regiões mais desiguais e discriminatórias do mundo.
O quadro se agrava sobremaneira nos países em que jagunços, capitães do mato e coronéis, incluindo-se os da política visceralmente corrupta, matam seres humanos como se estivessem eliminando moscas. Pior é saber que a polícia brasileira, terrivelmente sucateada (tanto quanto os demais serviços públicos), vem conseguindo apurar a autoria de apenas 8% desses crimes brutais. De plano, como se vê, 92% deles ficam impunes. Índice ridículo diante de outros países como EUA (quase 70% de apuração), Espanha (mais de 90%), França e Reino Unido (mais de 85%) etc.
Especialmente neste campo da criminalidade impune são incontáveis os mistérios no nosso país. Se os jurados reconheceram que PC Farias e sua namorada Suzana foram assassinados, rejeitando a versão de que ela o teria matado e depois se suicidado, resta o enigma (na linha daquela novela que perguntava quem matou Odete Roitman) sobre quem mandou exterminar PC Farias e sua namorada? Quem os executou, sem que os guardas tivessem notado? Houve queima de (mais um) arquivo?
Quem derrubou aquele fatídico armário na cara do Roberto Jeferson, logo após ele ter embolsado alguns milhões de reais e denunciado o caso mensalão, que enlameou gente graúda do PT, marqueteiros, banqueiros etc.? Foi mesmo um armário que o atingiu? Onde foi parar o corpo de Ulisses Guimarães, o pai da Constituição Cidadã? O que aconteceu com Ronaldo na copa da França, em 1998? Qual teoria usou aquele padre que queria cruzar os céus brasileiros com o auxílio de mil balões, indo parar no fundo do mar? Quem teria envenenado o ex-presidente João Goulart (se é que ele fora envenenado)? Que ocorreu com a taça furtada do tricampeonato do Brasil? Onde está o corpo de Eliza Samúdio? Onde estaria o corpo de Dana de Teffé? Onde estão os corpos dos desaparecidos do Araguaia? Por que todos os autores da morte da menina Araceli não foram punidos? … mistérios, enigmas.
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do Portal atualidadesdodireito.com.br./UNO