Em um jogo de estranhas ambiguidades, como omitir a venda de consciências e escrúpulos, é colocada em pauta, mais uma vez, pelo legislativo brasileiro a revisão do Código Florestal e, com ele, no lugar da razoabilidade de argumentos e do consenso em torno da questão, a produtividade de truculências e a coerção ilegítima.
Em que pese a verdade de que o todo tem primazia sobre cada uma das partes que o compõem, a execrável proposta de revisão no Código Florestal busca trabalhar esquartejadamente questões em que só o todo produziria heterogeneidades credíveis. Sendo a proposta resultado de uma “ideologia” que julga não ser necessário pensar o futuro, porque julga saber tudo a respeito dele e o concebe como uma inspiração linear, automática e infinita do presente.
O escritor Walter Benjamin pensava que a Segunda Guerra Mundial tinha privado o mundo das relações sociais pelas quais as gerações anteriores transmitiriam o seu saber para as seguintes: “Tornamo-nos pobres. Fomos abandonando um pedaço de herança da humanidade após outro, tivemos muitas vezes de a depositar na casa de penhores por um centésimo do seu valor, para receber de volta as moedas sem préstimo da atualidade”.
Compreendemos que a este mesmo destino estão fadados os biomas brasileiros, impedidos que estarão de transmitir grande parte de sua herança biológica aos descendentes natimortos – porque eles estão postos à venda e impelidos a desaparecer, pelo novo Código.
Em uma visão que se revela do futuro, quase sempre omitida nos arraiais políticos e pela grande mídia, creio poder interpretá-la assim: para os burocratas do legislativo e os senhores do agronegócio (leia-se também, altos acionistas das concessionárias de energia hidrelétrica), há uma ordem, uma única ordem possível: o lucro. O senhor Aldo Rebelo tornou-se, como o relator da revisão do Código Florestal determinado a aprová-la, o disc jockey animador dessa turma desenvolvimentista.
Nesse ponto da encenação e dos truques do poder, se descortina a crise da ideia do progresso e desenvolvimento, como diria Boaventura de Sousa, e com ela a crise da ideia de totalidade que a funda. A visão abreviada do mundo foi tornada possível por uma concepção do tempo presente que a reduz a um instante fugaz entre o que já não é e o que ainda não é. Aprovar a proposta do Código Florestal é agir de um modo a se pregar e bater em um piano com um martelo, e não perceber que a pobreza da experiência não é a expressão de uma carência, mas antes a expressão de uma arrogância, a arrogância de não querer ver e valorizar a realidade da vivência das diversas culturas e do passado do homem do campo, apenas porque não escapam à razão com que são capazes de identificar, valorizar e medir a natureza pelas leis do latifúndio e do mercado.
Juliete Oliveira
(Publicado originalmente no blog In-di-gestão Pública).